Ingredientes perfeitos: um menino, um PC e a rede que conecta os computadores a um mundo digital com infinitas possibilidades. Assim começa uma viagem de entretenimento em alta velocidade de pensamento, moldada por uma boa dose de competição, superação de limites e estratégias.
O universo digital proporciona às crianças e jovens uma overdose de ‘empoderamento’, mas também podendo levar ao isolamento físico. Diante de um game frenético aquele menino tímido e quieto se agiganta, torna-se ágil, podendo até ganhar fama de ser o melhor. Esse cenário pode se consolidar no dia a dia de uma criança, que cresce um pouco hoje, mais um pouco amanhã, até se tornar um jovem cujos anos se passaram ali, naquele quarto, isolado em quatro paredes.
É tênue o limite entre o lazer saudável, o mero entretenimento, e a compulsão. Quando o problema se instala, muitas vezes já é tarde demais para mudar as regras do jogo. E assim, ele, o menino engaiolado, se entrega ao mundo digital, aos amigos virtuais, deixando de viver o tempo de sol e chuva, de rio e mar, de abraços e risos e de joelhos esfolados, que a vida tinha planejado para ele. Aos poucos o menino se fecha dentro de uma bolha, deixando de atender aos chamados da família e dos amigos de antes. Sem que alguém perceba, a ausência do convívio torna-se doentia, até que um dia o silêncio começa a gritar.
Fonte: Google Imagens/Games
Quando o assunto é segurança no uso da Internet é importante prestar atenção no tempo de imersão da criança e do jovem no universo digital. E cuidar para que não haja excesso nesse tempo é tarefa que cabe mais à família. Se existe dose certa, é difícil saber, mas há que se considerar que o lazer dos jovens não pode se limitar à Web. O convívio familiar e com os amigos, o esporte, o tempo de estudo em casa e o bom sono noturno precisam fazer parte da rotina diária de qualquer jovem. Isso é saudável.
O diálogo e a atenção dos pais e professores são a melhor arma que existe contra o fenômeno alienante da compulsão por tecnologia, que se agiganta nesta era digital. Pode haver no futuro uma legião de pessoas que viveram nessa bolha durante anos e anos, e por isso não estudaram, não se aprimoraram, não trabalharam, não conviveram, não dialogaram, privando-se do desenvolvimento saudável esperado para elas.
O impacto humano que essa síndrome pode causar é um cenário de problema social e de saúde pública. Nos últimos anos, o assunto passou a ser amplamente estudado por especialistas. Em congresso sobre o cérebro humano realizado na cidade de Curitiba (PR), em 2017, foi apresentado um estudo sobre o tema, alertando a comunidade médica para o aumento de casos no Brasil. Nos países asiáticos o transtorno da compulsão digital atinge cerca de 10% dos jovens e já é considerado problema de saúde pública.
Pesquisas associam a tendência ao vício em jogos eletrônicos ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e à depressão. É o que aponta estudo publicado na revista da Associação Americana de Psicologia, no ano de 2016 (indicações dos links com essas informações ao final).
A Organização Mundial de Saúde (OMS), responsável pela Classificação Internacional de Doenças (CID), estuda a inclusão do vício em jogos eletrônicos como transtorno psiquiátrico. O Transtorno do Jogo (Gaming Disorder) poderá ser reconhecido como uma síndrome associada à angústia.
Frente a tantas possibilidades de associações com angústias pré-existentes, os jovens se tornam frágeis diante de um vasto cardápio de jogos nocivos à sua formação existentes na web, sendo que alguns rodam o mundo induzindo ao autoflagelo e ao suicídio. Os jogos “do mal” nem deveriam existir, no entanto, são fartos na internet e muitos disponíveis para download.
As famílias e as escolas são as principais instituições de apoio às crianças e aos jovens, e como tal precisam se posicionar. Criar situações de diálogo sobre o tema, alertando-os sobre o risco do uso excessivo das redes sociais e dos jogos é a principal medida.
As cartilhas que são produzidas com foco na segurança da informação são ferramentas importantes e que precisam ser discutidas entre professores e alunos. É fundamental alertar os jovens sobre o perigo do aprisionamento que a compulsão pelo mundo digital pode causar, conduzindo a armadilhas de games suicidas, ao isolamento, à fobia social, ao distanciamento de uma vida plena e feliz.
Prevenir é a palavra de ordem. O diálogo e a compreensão são ingredientes fundamentais a todos que veem na educação o melhor caminho para o desenvolvimento humano.
Ana Lúcia Motta Baeta
Jornalista (Reg. Profissional Fenaj: 3905/MG)
Técnica da Educação - DTAE
Diretoria de Tecnologias Aplicadas à Educação
Superintendência de Tecnologias Educacionais
Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais
Artigo escrito para a 2ª versão do:
“Guia Participativo de Segurança da Informação nas Escolas Públicas”
- Agosto/2017 (atualizado em janeiro 2018) -
Saiba mais:
- Vício em jogos eletrônicos será considerado problema de saúde
(Veja – 3/01/2018)
https://veja.abril.com.br/brasil/vicio-em-jogos-eletronicos-sera-considerado-problema-de-saude/
- Pela primeira vez, vício em games é considerado distúrbio mental pela OMS ( G1 – Globo - 2/01/2018)
- Estudo associa vício em videogame a transtornos como o TDAH
(Blog de Psiquiatra - 25/04/2016)
- OMS planeja classificar vício em jogos eletrônicos como distúrbio psiquiátrico
(Estadão – 3/07/2017)
- Vício em Videogames será classificado como doença mental pela OMS em 2018 - (26/12/2017)