Premiado na 2ª edição da Feira Mineira de Iniciação Científica, projeto alerta sobre os riscos do envio de fotos sensuais pela internet15 de Fevereiro de 2018
As experiências amorosas têm ganhado novos contornos com o avanço das tecnologias digitais, o surgimento das redes sociais e de aplicativos de relacionamentos. Uma das práticas mais comuns entre os adeptos da paquera virtual é o sexting, combinação das palavras sex (sexo) e texting (envio de mensagens), que consiste no envio de conteúdo erótico pessoal, como os nudes – fotos do corpo nu ou seminu em posições sensuais. Segundo a pesquisa on-line CONECTAi Express, realizada com 2.000 internautas brasileiros, entre novembro e dezembro de 2015, 47% dos participantes já receberam nudes, 21% compartilharam o que receberam e 31% dos usuários de internet do Brasil já saíram com alguém que conheceram por meio de sites ou aplicativos.
Recorrente entre jovens e adultos, de diferentes faixas etárias e classes sociais, a prática do nudes é fonte de investigação dos estudantes da Escola Estadual Eliseu Laborne e Vale, em Betim, que iniciaram o projeto “A cultura do nudes: transgressão e resistência”, premiado como destaque na categoria Ciências Humanas, na 2ª edição da Feira Mineira de Iniciação Científica (Femic). “A iniciativa é fruto da busca incessante em promover a iniciação científica no Ensino Médio. Após várias conversas em sala de aula, momento em que os alunos tiveram a oportunidade de discutir suas dúvidas e inquietações, além de receberem orientações metodológicas de pesquisa, surgiu, entre outros projetos, a ideia de pesquisar sobre a temática”, explica o professor e orientador, Joelton Lima.
Desenvolvido pelos estudantes Isabelle Lohane Braga, Thais Oliveira, Guilherme Nogueira e João Victor Bonfim, o trabalho visa alertar sobre os riscos da prática do nudes. “Apesar de ser um ato transgressor, seja contra a imposição religiosa, contra moral ou contra a expectativa da sociedade para com o indivíduo, o envio de uma foto íntima acarreta diversos problemas, entre eles a exposição na internet, o julgamento social, a depressão e até suicídio, além de mudanças na vida escolar e/ou profissional”, esclarece o docente. De acordo com levantamento da ONG Safernet Brasil, que monitora crimes e violações dos direitos humanos na internet, em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público, em 2016 foram registrados no país 301 casos de vazamentos de nudes, sendo que as mulheres (67%) e pessoas com mais de 25 anos (51,1%) foram as maiores vítimas.
Trabalho dos estudantes da E.E. Eliseu Laborne e Vale, em Belo Horizonte, estudou a cultura dos nudes entre os jovens. Foto: Arquivo da Escola
Diante dos casos de exposição, o grupo pretendeu conscientizar sobre os meios judiciais de proteção às vítimas de crimes na internet. “A intenção é informar as pessoas sobre o que fazer em casos de fotos publicadas indevidamente. A divulgação de imagens, vídeos e outros materiais com teor sexual sem o consentimento do dono pode ser classificado como difamação ou injúria, segundo os artigos 139 e 140 do Código Penal”, destaca Joelton, acrescentando que a Lei 12.737/12, conhecida como lei Carolina Dieckmann, também criminaliza a invasão de dispositivo informático alheio para obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular. “É fundamental recorrer à Justiça, às delegacias especializadas em crimes virtuais”, conclui.
Durante o projeto, os integrantes aplicaram questionários a estudantes, com idades entre 14 e 19 anos, de escolas de Minas Gerais e de outras regiões do país. “Não é um tema que todos falam abertamente. Então, para termos dados precisos para a pesquisa elaboramos os questionários, que foram direcionados a alunos do 9º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, além de realizarmos entrevistas e criarmos um caderno com perguntas sobre nudes, semelhante àqueles que eram comuns nas escolas na década de 80. Participaram, direta e indiretamente, cerca de 3.000 pessoas”, diz o orientador.
Para a estudante do 1º ano do Ensino Médio, Isabelle Lohane Braga, a pesquisa, além de abordar um assunto contemporâneo, conseguiu, com o método do caderno de perguntas, aproximar os entrevistados. “Foi uma novidade. Achei uma forma interessante de fazer com que as pessoas participassem e opinassem de uma maneira mais descontraída”, afirma.
Pesquisa
O estudo constatou, segundo o professor, que, a cada 10 entrevistados, 9 mandam ou já mandaram fotos íntimas para pessoas conhecidas. “Os números também mostraram que poucos sabem dos riscos que a prática pode causar e as leis para proteção dos indivíduos expostos na rede”, ressalta Joelton.
Garantindo que nunca produziu ou enviou fotos íntimas, João Victor Santos Bonfim, estudante do 1º ano do Ensino Médio, conta que, além de aprender mais sobre o assunto, foi interessante compreender o que leva as pessoas a compartilharem nudes. “Muitos, insatisfeitos com a própria aparência, trocam fotos para ganhar elogios e, assim, melhorar a autoestima. Além disso, por desconhecerem os perigos, apenas terão noção das consequências quando as imagens já estão circulando nas redes sociais”, afirma.
Projeto de pesquisa foi um dos premiados na 2ª edição da Femic. Foto: Arquivo da Escola
De acordo com o professor, os participantes relataram nas entrevistas motivos diversos para envio de fotos sensuais. “Vai desde a pressão por parte de um dos interlocutores numa conversa virtual até vaidade. A exposição do corpo e a vaidade circundam a humanidade. A rede social ampliou e potencializou o acesso a esse tipo de conteúdo, além de banalizá-lo. Em determinados grupos de conversa, um simples ‘oi’ ou ‘bom dia’ são acompanhados de uma foto erótica”, frisa.
Intrigada com o número alto de participantes que afirmaram serem adeptos do nudes, Isabelle Lohane Braga afirma que conheceu uma pessoa que teve uma fotografia exposta. “Na minha antiga escola, uma menina, na faixa dos 16 anos, estava trocando fotos com um garoto pelo Snapchat. No momento em que ela foi enviar, sem perceber, colocou no stories, e, depois de alguns minutos, muitas pessoas já tinham tirado print e a imagem espalhado”, relata.
O orientador do trabalho lembra que o vazamento de conteúdo íntimo impacta profundamente no psicológico da vítima. “Para além da exposição, existe a perda da confiança. São inúmeros os casos de jovens que mudam de escola ou fogem do convívio social. As pessoas entrevistadas e que passaram por essa situação relataram sentirem frustração e descontentamento. Na grande maioria das vezes, as meninas que tiveram sua intimidade exposta sofrem em silêncio, sentem-se envergonhadas”, diz.
Por William Campos Viegas (ACS-SEE/MG)
Fonte: Portal da SEE-MG - 15/02/2018